14 março, 2010

A arte Gotica - Modulo 4


A formação do estilo gótico


O termo “gótico” surgiu no renascimento italiano para designar, pejorativamente, a arte medieval entre os sécs. XII e XIV; o termo, aplicado por alguns artistas renascentistas, referia-se à arte com origem nos Godos (povo bárbaro), associando assim estas obras à barbárie. Contudo, ao contrário do pensado no renascimento, o gótico foi uma revolução artística de magnitude impressionante, coincidindo com revoluções a nível social, económico e religioso que são, no fundo, os seus princípios.
O gótico nasceu na Île-de-France pelas mãos do abade Suger, com a edificação da Abadia de Saint-Denis, a partir de 1122. Foi a partir daí que Suger traçou o modelo da arquitectura gótica, fundando os seus planos nos escritos místicos de Saint-Denis. Segundo o abade, “a casa de deus devia ser um local em que pudéssemos ser transportados misticamente deste mundo inferior àquele mundo superior”. Este pensamento serviu de base à arquitectura gótica.
A partir do séc. XII, o Gótico manifestou-se, inicial e essencialmente, através da construção de catedrais. Estes edifícios, face à igreja românica tradicional, ganhavam o espírito urbano e autonomia relativamente ao poder do rei, o que resultou numa acentuada alteração formal. A um nível mais geral, este estilo foi influenciado pela tendência da sociedade para a laicização, que se revela, por exemplo, na representação do divino — o Cristo-Rei e Pantocrator é substituído pelo Cristo-Salvador do homem — e numa nova concepção do homem, do mundo e de Deus. O estilo gótico foi dinamizado principalmente por dois aspectos: o crescimento do comércio e o ressurgimento das cidades, ambos consequência do estabelecimento de redes comerciais entre o Oriente e a Europa. Com o declínio do sistema feudal, a vida comercial e urbana começou a ganhar protagonismo, dando origem a uma nova classe social: a burguesia (apesar deste êxodo rural, a Europa continuou um continente essencialmente agrário e aristocrático). Esta classe social foi uma grande impulsionadora da arte, visto que rapidamente ganhou importância económica podendo subsidiar os artistas.
Paralelamente ao crescimento das cidades, os mosteiros perderam o seu papel no desenvolvimento económico e cultural. As urbes tomaram o protagonismo no primeiro aspecto, enquanto as universidades o fizeram no segundo. Estes factores indiciam o aspecto mais fundamental da arte gótica: o seu carácter urbano.

A racionalização da fé e o seu impacto na arte

O gótico foi essencialmente formado pela intervenção de duas ordens religiosas: a de Cister, que abnegava as curvas, as formas escultóricas, a cor, em prol da pureza da forma (linha recta), e a de Cluny, que via a igreja como uma forma do homem transcender a sua existência terrena, materializando-a sob a forma de um edifício sublime, magnânimo e resplandecente.
Contudo, apesar destas duas ordens reimpulsionarem o Cristianismo, este começou a perder valor para a sociedade, principalmente devido à perda de influência dos mosteiros. Uma nova concepção do homem, do mundo e de Deus e a convergência para a cidade levaram a sociedade a conhecer outras formas de viver que não a ditada pela igreja. Assim, o ensino deixa de ser exclusivo dos mosteiros, ganhando um carácter laico, introduzem-se novas temáticas de estudo desligadas da religião, como, por exemplo, o pensamento aristotélico, e as universidades começam a ganhar a influência. Estes factores de afastamento da igreja vão fazer com que esta tente acompanhar o ritmo da época, introduzindo a escolástica como redinamizador da religião. Surgida como resposta da igreja, a escolástica consistia na especulação teológica e filosófica guiada pelo pensamento aristotélico que conduzia à indagação e à sistematização das verdades reveladas. O seu princípio era, portanto, o de conciliar a fé e a razão. Este esforço teve o seu expoente máximo em S. Tomás de Aquino, na obra Summa Theologica, que consiste na sistematização de todo o pensamento cristão desde as suas origens para tentar criar uma doutrina lógica e coerente que suportasse o pensamento religioso. Este novo guia de estudo introduzido pela igreja vai ter um enorme impacto formal na constituição da arte gótica. A catedral, resultado de uma organização hierárquica de partes relacionadas entre si e num equilíbrio de forças, corresponde à materialização da obra de S. Tomás. Nota-se, portanto, uma aproximação entre o racionalismo clássico e a fé cristã.

A arquitectura gótica

A catedral


No período gótico, a catedral foi a tipologia mais comum. Tal como no românico, a igreja gótica funcionava como um microcosmos, reflectindo o universo religioso em que se inscrevia. Contudo, no gótico há uma aproximação ao homem, o que está patente nas esculturas, e surge o vitral (que substitui o fresco da igreja românica), que desmaterializa a arquitectura, convertendo-a num espaço mágico.
A nível formal, verifica-se, relativamente à igreja românica, o elevar das naves e o alívio das paredes de pedra, o que permite a inclusão de enormes vitrais policromáticos característicos destes edifícios. Este alívio é conseguido através do uso de estruturas e técnicas novas, como o arcobotante/contraforte, o arco quebrado, as abóbadas de cruzaria... A evolução dos sistemas e técnicas construtivos também se deve à rivalidade existente entre as cidades, que impulsionou a imaginação dos arquitectos góticos.
Os novos sistemas e técnicas construtivas são os principais factores da flexibilidade da arquitectura gótica. São eles o arco quebrado, formado por dois segmentos de círculo que se intersectam (conseguindo que as cargas exercidas sejam menores), a abóbada de cruzaria, constituída por dois arcos quebrados que se cruzam na diagonal, funcionando como um esqueleto, o arcobotante, arco que transmite o impulso da abóbada para o exterior e o contraforte, que transmite as forças do arcobotante para o chão.
Ao nível da planimetria, a catedral tem uma disposição longitudinal, com uma grande cabeceira com charola e capelas radiais, mantendo, no resto, mais ou menos a estrutura da igreja românica. Ao nível da fachada, apresenta um grande portal alinhado com uma rosácea e ladeados por duas altas torres.
A arquitectura gótica atingiu o seu expoente na catedral de Sainte-Chapelle de Paris, em que a luz atinge uma expressão de carácter metafísico.

A cidade gótica

Apesar da construção mais característica do período gótico ter sido a catedral, houve espaço para o desenvolvimento de novas tipologias arquitectónicas, fruto do desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais urbana, organizada e com mais preocupações laicas. Relativamente às cidades, estas começaram a crescer; contudo, devido à insegurança característica da baixa idade média, começou-se a proceder à construção de muralhas que ladeassem as urbes — concedendo-lhes protecção e meio de cobrar impostos. O crescimento também obrigou à constituição de novos edifícios civis.
Podem distinguir-se dois tipos de cidade medieval: as que cresceram organicamente, resultado da topografia ou da presença de edifícios importantes, e as que eram planeadas já de início. As últimas, construídas com propósitos económicos ou militares, obedeciam a traçados regulares. A necessidade de organização levou à constituição de várias tipologias como o mercado, a câmara municipal, através das quais se orientavam os outros edifícios. A catedral também ocupava, nestas cidades, um local central. Estes edifícios centralizados foram o berço de espaços de índole lúdica, como praças, e a partir dos quais se realizavam cerimónias, comemorações ou mesmo actividades económicas como o artesanato e o comércio. Esta vitalidade urbana é própria do período gótico: o surgimento de música entre as classes populares, dos jograis e dos trovadores, as festividades nos dias de feriado.. são os impulsionadores da revitalização urbana. Nestas cidades também se verifica a existência de edifícios totalmente direccionados para mostrar o poder económico, político, social, como é o caso de alguns palácios.
Apesar de todas as alterações nas cidades, a religião continuava a ser uma preocupação maior. Assim, deve entender-se a cidade gótica como a manifestação de uma forte devoção religiosa. Contudo, os edifícios civis limitaram-se a seguir o esquema arquitectónico introduzido pelas catedrais, não tendo, portanto, nenhuma ligação com a igreja.
No séc. XIII surge a câmara municipal. Este edifício marcava o centro da cidade, tendo, normalmente, grandes praças à sua frente e torres de alturas que chegavam a competir com as catedrais, de maneira a transmitir a ideia de poder urbano.

O gótico internacional

Tendo começado em França, o gótico alastrou por toda a Europa ao longo do séc. XIV. O gótico internacional, conjunto das variações regionais do gótico, dividiu-se em quatro fases: o gótico primitivo, o gótico clássico, o gótico radiante e o gótico flamejante.
O gótico primitivo foi a derivação desenvolvida na Île-de-France durante a segunda metade do séc. XII.
Foi neste período que se introduziu o sistema estrutural gótico e alguns elementos como a tribuna, o trifório e o coroamento por janelas altas.
O gótico clássico deu-se durante o fim do séc. XII e a primeira metade do séc. XIII. A nível geográfico, assinalou-se pelo alastramento a outras zonas de França. Neste período, assiste-se ao amadurecimento do sistema estrutural gótico, à redução do número de andares para três, à normalização do uso de abóbadas de cruzaria e arcobotantes.
O gótico radiante já constitui a fase de alastramento à Europa. Desenvolvido entre meados do séc. XIII até meados do séc. XIV, caracterizou-se pelo aparecimento de variantes locais e pelo aumento de decoração.
Finalmente, o gótico flamejante aconteceu entre meados do séc. XIV até aos inícios do séc. XVI.
Divulgado principalmente na França e na Alemanha, caracteriza-se por uma intensa decoração de motivos ondulantes, curvas e contracurvas. A decoração sobrepõe-se à estrutura, revestindo todo o edifício.
Em Inglaterra, devido à influência cisterciente, o gótico teve um desenvolvimento diferente.
Paralelamente ao gótico radiante, surgiu, nesse país, o decorated style, com características semelhantes ao primeiro, e o gótico perpendicular, caracterizado pela verticalidade excessiva.

A escultura gótica

Relativamente à escultura no período românico, a escultura gótica manteve várias das suas características, como por exemplo a relação simbiótica com a arquitectura. Contudo, com uma maior liberdade na representação, este aspecto referido vai-se diluir, soltando-a da arquitectura, dando-lhe uma nova vitalidade. A escultura ganha uma nova importância, o que se revela nos suportes usados e na própria atitude dos encomendadores face a esta expressão artística.
A nível formal, a escultura gótica recomeça a introduzir a monumentalidade, a expressividade e a aproximação ao real nas suas obras. Com a libertação da escultura do estereótipo imóvel e irrealista que havia ganho no românico, nota-se uma aproximação gradual à cultura naturalista; a libertação da arquitectura dá-lhe uma nova concepção mais plástica, dinâmica.
Durante o período gótico surgem novas “tipologias” de estátua: as estátuas colunas, que são suportes arquitectónicos esculpidos, e as estátuas jacentes; obra que representam realisticamente o morto sobre o qual estão colocadas sob a forma de jazigo.


A pintura gótica

A pintura gótica, seguindo as mesmas passadas que a escultura, vai-se aproximar mais da realidade, apesar de manter ainda forte as características de formas do românico.
A principal mudança na pintura vai-se dar através da relação desta com a arquitectura; o aparecimento de mais aberturas em detrimento das paredes maciças verificadas no românico obriga ao desenvolvimento da técnica do vitral em vez do mural. O vitral foi uma técnica amplamente divulgada por Suger, uma vez que constituía um poderoso veículo narrativo da fé cristã devido ao seu ímpeto visual.
A pintura gótica também se desenvolveu noutros sentidos. A expressão retabular volta a ganhar dimensão e a iluminura solta-se do seu contexto religioso para provir outros manuscritos de uma nova vitalidade.
O gótico também traz outra grande novidade nesta expressão: Cristo, ao contrário do verificado no românico, deixa de ser o homem sempre vivo, vestido, indolor, passando a ser o homem nu, sofredor e aceitador da morte. Verifica-se, portanto, a humanização do divino.

O gótico final

O período do gótico final foi marcado por uma miríade de acontecimentos. Na Itália, o florescimento da vida urbana causou uma grande rivalidade entre as cidades-estado. Ao nível da Igreja, houve uma grande crise, com a transferência da sede pontifícia para Avinhão. Ao nível da Europa em geral, um período de fome generalizada e doenças sistemáticas (como a peste negra) assolaram a população.
Contudo, essencialmente na Itália, surgiram cidades que atingiram grande prosperidade económica, o que se traduziu num desenvolvimento cultural e artístico notável. Neste contexto, o período gótico foi determinado por uma mudança plástica abrupta, com a contaminação da arte cristã pelo humanismo greco-romano, antevendo o que se iria passar no renascimento.
Giotto di Bondone, artista do séc. XIV, foi o reflexo destas alterações. Este pintor rompeu com a tradição medieval através da autenticidade com que reproduzia a realidade; o reconhecimento do realismo, da reprodução concreta, através da introdução da representação perspectiva das formas e dos espaços arquitectónicos, foram os factores que estiveram na origem desta revolução.

A pintura flamenga


A pintura flamenga tem características muito próximas do Trecento italiano. A aproximação ao real é uma das mais evidentes. Contudo, a realização efectiva foi conseguida na pintura flamenga com o tratamento do volume e da profundidade.
Enquanto no renascimento italiano se pesquisava sobre as técnicas de representação com bases científicas, o flamengo atingiu o primor dessa representação empiricamente, através de uma interiorização puramente captativa da imagem.
A arte flamenga viu o seu desenvolvimento acelerado devido à estabilidade económica e social da
Flandres. A prosperidade da burguesia nascida do sucesso económico foi um grande impulsionador da arte, uma vez que a posse de uma obra de arte era símbolo de poder e prestígio. Os artistas flamengos responderam eficazmente a estes requisitos, criando uma linguagem plástica capaz de representar a realidade com grande fidelidade.
O artista paradigmático do flamengo foi Jan van Eyck. Este artista representa exactamente as características da pintura flamenga: dá volume às figuras e às formas que representa através do jogo de luz/ sombra, detalha imensamente a obra com pormenores e minúcia extrema e usa um jogo de gradações bastante eficaz, fornecido por uma técnica que surgiu, na Europa, pelas suas mãos: a pintura a óleo.

Sem comentários:

Enviar um comentário